- POR QUE RENOVAR?
Após os 7 a 1 sofridos pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2014, começou-se a perceber que a derrota, tanto pelo mérito da equipe ora vencedora quanto pelo despreparo dos tupiniquins, se deu, também, pela diferença na mentalidade do futebol praticado — não apenas devida à então comissão técnica da "Seleção Canarinho", mas também por todo o trabalho (não) realizado nas divisões de base.
Diante disto, e espelhando-se na Alemanha, com razão, muitos começaram a pregar uma renovação no futebol brasileiro, começando por dar mais valor aos jovens atletas que um dia podem a vir a ser craques — ou, o principal, para ser coerente à nova filosofia que se pretende adotar, compor bem um time sólido.
A necessidade de renovação, contudo, não ficou adstrita à perspectiva da seleção nacional, mas se expandiu também aos olhares sobre os clubes brasileiros: será que os treinadores a que os maiores clubes recorrem — a exemplo de Flamengo com Luxemburgo e Grêmio com Scolari — possibilitam uma nova mentalidade, apta a perceber que o "futebol pentacampeão" tem muito a aprender? Além disso, será que os veteranos "medalhões" que muitas vezes servem de afago às torcidas de grandes clubes em crise realmente representam efetivas soluções, ainda que, de fato, tragam melhorias imediatas (e nem sempre significativas) à equipe? Deve-se focar tanto no fator "presente", quando se precisa se mudanças estruturais, que demandam médio ou longo prazo?
Tentando buscar respostas a estes questionamentos, que se reforçaram após as contratações já referidas (Luxa e Felipão), quis analisar se há, especialmente nas divisões inferiores do Campeonato Brasileiro, novos nomes que podem representar forças renovadoras da mentalidade dos clubes brasileiro. De pronto esclareço que não objetivo aqui encontrar treinadores que, necessariamente, fariam milagres e salvariam o ano de 2014 de clubes como Flamengo, Botafogo, Grêmio, Vasco e outros: a ideia é tentar achar novas mentalidades que podem propiciar bons resultados com o tempo, à maneira que muitas vezes se faz no futebol europeu.
Antes de ir aos nomes, esclareço também que tentei manter o foco na Série B partindo do pressuposto de que os treinadores atualmente em atividade na Série A já estão "bem empregados" e, exceto se demitidos, dificilmente iriam para outra equipe da mesma divisão. Do contrário, mencionaria, por exemplo, Eduardo Baptista, que vem fazendo ótimo trabalho no Sport e que, apesar de ter apresentado resultados positivos muito rapidamente, é dono de uma mentalidade extremamente empolgante por ser mais alinhada ao que se busca, como bem se demonstra nessa entrevista concedida à ESPN: http://espn.uol.com.br/noticia/428492_sensacao-filho-de-nelsinho-estuda-simeone-e-crava-guardiola-nao-aguenta-2-anos-no-brasil
Para não alongar ainda mais o já longo post, mencionarei os treinadores que vêm realizando bons trabalhos na Série A em outra oportunidade. Ademais, não me considerei em condições de buscar por bons nomes nas Séries C e D.
- QUEM, FORA DA SÉRIE A, APARENTA PODER RENOVAR?
Faz-se necessária mais uma observação: não foi fácil encontrar nomes, apontar para eles e dizer "esses são indubitavelmente capazes de realizar um longo e frutífero trabalho!", exatamente pelo costume dos dirigentes brasileiros de demitir treinadores após 10, 7 e até mesmo 3 jogos. Ainda assim, alguns merecem ser mencionados:
Sérgio Soares, atualmente no comando do Ceará, começou bem sua experiência de treinador: compondo a comissão técnica do Santo André, em 2004, sagrou-se campeão da Copa do Brasil. Quando Péricles Chamusca foi para o São Caetano, Sérgio assumiu o time campeão de forma efetiva, levando o clube à 4ª colocação do Campeonato Paulista. Nos anos seguintes, passou por Grêmio Barueri e Juventus-SP, mas voltou a ter sucesso mesmo quando retornou ao Santo André e conseguiu acesso à Série A do Campeonato Brasileiro, tendo na Série B ficado atrás apenas do Corinthians. Passando por alguns outros clubes, mais uma vez, vê-se bem sucedido quando firma mais uma passagem pelo "Ramalhão" — sua quarta — e chega à final do Campeonato Paulista, sendo derrotado pelo Santos na ocasião. Em outubro do mesmo ano, assume o Atlético Paranaense, terminando a Série A a uma colocação da classificação para a Libertadores. Após breves passagens por Grêmio Barueri, Cerezo Osaka-JAP e Avaí, Sérgio Soares assumiu o Ceará em 2013, levando o clube da 17ª à 5ª posição na Série B, a 1 ponto do acesso para a Série A. Tendo o "Vozão" apostado na continuidade do treinador, Soares levou o alvinegro ao vice-campeonato da Copa do Nordeste 2014 — quando o campeão foi o Sport do já mencionado bom Eduardo Baptista — e ao título do Campeonato Cearense, derrotando o rival Fortaleza na final. Atualmente (29/07/2014), o Ceará, comandado por Sérgio Soares, lidera a Série B com 4 pontos de vantagem para o segundo colocado, América-MG. Talvez Sérgio Soares seja um nome plausível para algum clube da Série A que queira um bom trabalho a médio/longo prazo...
Hemerson Maria está hoje à frente do time principal do Joinville, que integra o G4 da Série B. No entanto, seu currículo de treinador tem 9 anos — de 2001 a 2010 — comandando categorias de base, mais especificamente as do Figueirense, no qual dirigiu o time algumas vezes na Copa São Paulo de Juniores e também a equipe principal, de forma interina, em certas ocasiões. Em 2011, troca as divisões de base do Figueirense pelas do rival Avaí, onde foi efetivado à frente do time principal em 2012, levando um desacreditado time ao título do Campeonato Catarinense. Ao longo da Série B, foi demitido, indo posteriormente para o Red Bull Brasil-SP, tendo, contudo, voltado a realizar boa campanha no CRAC, de Goiás, onde salvou o time de um iminente rebaixamento e, em seguida, levou o clube de forma inédita à terceira fase da Copa do Brasil, eliminando Náutico e Betim. Tendo deixado o clube durante a Série C, voltou ao Avaí, onde não retomou o sucesso, mas foi anunciado como novo treinador do Joinville no final de 2013 para comandar a equipe em 2014. No Campeonato Catarinense, chegou à final, vencendo o primeiro jogo por 2x1 e perdendo o segundo pelo mesmo placar, o que deu o título ao Figueirense, devido à melhor campanha. Neste momento, o Joinville ocupa a 3ª colocação da Série B, a 4 pontos do líder Ceará. Hemerson ainda não teve grande sucesso em campeonatos nacionais, mas tem experiência em categorias de base, já experimentou alguns sucessos e sinaliza a possibilidade de uma boa Série B com o JEC.
Oliveira Canindé tem um currículo razoavelmente longo em equipes nordestinas desde 2004, quando começou a treinar o Limoeiro-CE. Em 2006, foi campeão piauiense com o Parnahyba, mas seu primeiro grande feito foi levar o Guanany de Sobral-CE ao título da Série D do Campeonato Brasileiro. Pouco depois, em 2013, levou o Campinense a um surpreendente título da Copa do Nordeste. Foi contratado pelo CSA, de Alagoas, em 2014, quando se classificou às quartas-de-final deixando para trás o tradicional Bahia na fase de grupos. No mesmo ano, mudou-se para o América de Natal, sagrando-se campeão do Campeonato Potiguar. Na Série B, o América aparece na 7ª colocação, a 3 pontos do G4, que dá acesso à Série A. Mesmo sem muitas conquistas de relevância, Oliveira Canindé parece sinalizar ser capaz de executar bons trabalhos e vem ascendendo desde 2010. Vejamos até onde conseguirá levar o América-RN.
Lisca, hoje treinador do Sampaio Corrêa, tem um belo currículo em divisões de base. Entre Internacional, São Paulo, Grêmio e Fluminense, já conquistou campeonatos gaúchos, paulistas e um brasileiro de categorias de base. Começou a dirigir equipes principais em 2007, no Brasil de Pelotas, tendo levantado títulos com o Porto Alegre (2ª divisão do Campeonato Gaúcho, 2009), Luverdense (Copa Mato Grosso, 2011) e Juventude (Copa FGF 2010). Chegou a treinar o Náutico, em 2013, e agora está no comando do Sampaio Corrêa, que está a uma posição de entrar no G4 da Série B.
Zé Teodoro treinou muitos (muitos!) clubes desde 1996, mas teve feitos consideráveis em alguns: campeão pernambucano com o Náutico, em 2004; campeão cearense em 2006, com o Ceará; do mesmo estadual, em 2010, desta vez com o rival Fortaleza; e bicampeão pernambucano com o Santa Cruz, em 2011 e 2012. Hoje, Zé Teodoro está à frente do ABC, que se encontra na 8ª colocação da Série B, a 3 pontos do G4. Não teve conquistas a nível nacional ainda, mas parece ter mostrado que pode ser uma opção plausível a médio/longo prazo, especialmente para a Série B. Se se confirmar sua competência, quem sabe não pode figurar na Série A daqui a um tempo...
- COMO RENOVAR?
Renovação de mentalidade e mudança estrutural passam também pela filosofia do treinador, que pode pretender aproveitar garotos das divisões de base, estimulando o preparo destas por parte do clube, e adotar estratégias alinhadas ao futebol moderno, como compactação dos setores, valorização da posse de bola, marcação por parte dos 10 homens de "linha", dentre outras características. No entanto, grandes trabalhos não serão efetivamente possíveis se a mentalidade dos dirigentes brasileiros não mudar. É preciso investir nas divisões de base, propiciando um real desenvolvimento de jovens jogadores — dando-os, obviamente, todas as condições necessárias ao pleno desenvolvimento de um ser humano —, com a coordenação de profissionais competentes e comunicação entre todos os "níveis" do clube, bem como investir num projeto, o que inclui permitir que treinadores trabalhem e desenvolvam suas maneiras de trabalhar, o que pode dar bons resultados apenas a médio ou longo prazo.
Pretendi, com este post, tentar responder meu próprio questionamento, que foi direcionado a alguns jornalistas esportivos no Twitter (os quais, infelizmente, não me responderam): contratações de nomes como Luxemburgo e Felipão podem representar certo "retrocesso" e um desejo de apenas dar uma resposta imediata às torcidas, mas será que há bons nomes nas divisões inferiores que poderiam desenvolver um bom trabalho? Concluo que talvez sim, com os nomes que apontei. Mas, sem dúvidas, seriam, em sua maioria, apostas, talvez bem arriscadas.
Esqueci-me de alguém? Espero sua contribuição nos comentários.
Vinícius Franco - @franconio
29 de fevereiro de 2014